A ARTE NA BIOGRAFIA, Por Milene Mizuta

Na casa que eu nasci, não tinha forro, nem banheiro dentro dela, mas tinha um artista, meu pai.

Não tinha reboco, não tinha vedação, mas tinha minha avó, uma japonesa dona da natureza.

Eu nasci bem brasileira, na família italiana da minha mãe tinha calor.

Dessa mescla eu cresci como milhões, vivendo e sobrevivendo a tudo que esta posto quando a diferença social pinga em cada goteira que gela o cômodo úmido.

Mas meu pai era artista.

E isso mudou tudo, mudou meu olhar para o mundo, a estrutura em que eu penso em ser humano, a linguagem que eu sei falar eu te amo, mudou os símbolos desde a asa do cabo da xícara que carrega a liberdade da andorinha, até o sagrado coração de Maria do quadro velho que inflama o amor em chamas do coração de uma mãe universal.

A arte me salvou, me educou, me refinou, me ensinou bons modos, e acima me uniu com tudo que existe no mundo.

Artista que não sabe fazer qualquer reprodução, eu me tornei.

Quando pisei no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand envolta das memórias do mundo suspensas em vidro pela genialidade de Lina, com o nome de Acervo em transformação para contar para algumas que o mundo é um, e que o tempo, é o pai da metamorfose, a menina que brincava por entre os pés de alface da lavoura da minha avó sorriu e soprou um dente de leão que se espalhou por toda a eternidade.

Minha mãe, eu me tornei professora como você, e meu pai, eu levei o que tu me ensinou para dentro do museu.

Minha avó, eu mostrei para eles que assim como a planta a humanidade evolui no tempo, desabrocha e fenece criando chão para o mundo novo.

Eu me tornei aos meus 46 anos uma intelectual, uma mulher grande, mas que ainda diante de uma obra encontra sua pequenez e chora.

Meus filhos, a mãe de vocês dedica tudo isso a cada dia que ela viu, como o acervo em transformação, vocês a obra síntese da minha existência.

Meu destino, nesses lampejos de suficiência, eu não deixo de te agradecer, obrigada por me dar minha estranheza que me permitiu ver a vida diferente, e assim fazer as pazes com a minha solidão.

Só quem é deslocada pode olhar o mundo por fissuras, que é por onde a luz entra em toda obra.

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