CRESCER, AMADURECER

Começo com um título que é o nome de uma pequena publicação bilíngue de autoria de Ulrich Schaffer – uma coletânea de textos e poemas meditativos sobre o tema.

Nesta época de quarentena estes dois verbos têm me feito refletir e resolvi colocar alguns dos meus pensamentos e reflexões no papel. 

Como Aconselhadora Biográfica e também Coordenadora de turma no programa Líder de Si, acompanho, observo e apoio biografias individuais. A biografia de cada ser humano se desdobra em fases - começando pelo nascimento vai se transformando continuamente, somos um eterno vir a ser. Mal nos despedimos de uma fase outra nova brota, deixamos coisas para trás -  infância, puberdade, adolescência, juventude. Estamos em constante processo de crescimento e desenvolvimento. 

Quando falo em crescimento não me refiro à dimensão física ou visível, mas sim, a uma dimensão mais sutil, a dimensão do crescimento como ser verdadeiramente humano. É desta dimensão que tratam os poemas no livreto de Schaffer e sobre a qual também eu quero tecer minhas reflexões.

Desabrochamos. Chegamos na maioridade, somos considerados adultos, responsáveis por nossos atos. Começamos a decidir, fazer escolhas cada vez mais conscientes. Ao longo de nosso caminhar nos transformamos, adquirimos conhecimentos, experiências, vivências. Impulsivos e aventureiros colecionamos ações, sucessos e decepções, arriscamos, experimentamos, conquistamos novos espaços, encontramos nosso lugar neste mundo terreno.  TEMOS (ou não) uma profissão, um trabalho, um companheiro (a), uma família, filhos, uma conta no banco, um endereço, um carro, um celular, temos, temos e temos....

Vamos nos tornando indivíduos, individuais, individualizados, e por que não egoístas?? Egoísmo no bom sentido, egoísmo saudável, egoísmo que permite cuidar se si mesmo para poder cuidar do próximo.

Ao seguir acompanhando retrospectivamente biografias de pessoas com idade mais avançada percebemos que, a partir de determinada fase, vamos nos liberando aos poucos de tarefas e responsabilidades, os filhos cresceram, aposentamos, vamos nos tornando mais livres, mais independentes, novos valores e interesses vão nos preenchendo, ao invés da responsabilidade de sermos pais agora somos avós, nos ocupamos cada vez menos com temas individuais e mais com temas universais, vamos SENDO cada vez mais altruístas quem sabe, compreensivos, serenos, vamos sendo cada vez mais disponíveis para os outros.

Na antiga China dizia-se que uma pessoa leva 20 anos para aprender, 20 anos para lutar e 20 anos para se tornar sábia... – amadurecer! 

Amadurecer é diferente de envelhecer. Envelhecemos fisicamente, mas nesta outra dimensão temos a opção de amadurecer como seres humanos, nos tornarmos experientes, maduros, comedidos, experimentados, nos tornarmos doces, doadores de sabedoria, compreensivos, amando o próximo, perdoando, construindo nosso caminho de volta. Estar maduro significa estar pronto para a colheita. E aqui cabe a pergunta: o que faremos com nossos frutos maduros – doaremos ou deixaremos apodrecer no pé? Quem sabe, complementando o ditado chinês – outros 20 anos para devolver ao mundo o que o mundo nos deu, agora transformado....

Podemos imaginar a trajetória de uma vida como o desenho da letra U - o gesto desta vogal na Euritmia (arte expressa em movimento originada por Rudolf Steiner) é representado pelos dois braços alinhados verticalmente para o alto ao lado de nossa cabeça, como um cálice receptor – quem sabe possa ser interpretado como um braço que recebe, a individualidade que acolhe e o outro braço que dá. Na Matemática o símbolo U representa a união. Unir o que recebemos, de nossos pais, nossa família, nossos professores, instrutores, nossos amigos, nossas vivências, nossos aprendizados, transformar conscientemente e devolver para que os próximos recebam, assim como nós recebemos de alguém.

Que momento especial é este na biografia de uma pessoa em que a curva biográfica chega no seu ponto máximo de inflexão e começa o caminho de volta? Este momento é individual, cada biografia tem o seu momento e talvez algumas pessoas nem tenham a oportunidade desta transformação, permanecem na rotina antiga. Pelo que podemos acompanhar em biografias, para alguns, o despertar vem associado a uma crise - uma doença, uma separação, uma demissão, uma morte - a uma pergunta que não quer calar, ou talvez até a uma situação de pandemia como a que estamos atravessando.

Será que podemos imaginar a evolução da humanidade seguindo o mesmo desenho da letra U, característico das biografias individuais? Desde os seus primórdios, a humanidade veio evoluindo predominantemente nas ciências, mas, e nesta outra dimensão, evoluímos verdadeiramente como seres humanos? Talvez pudéssemos aqui aplicar a mesma pergunta: quando será o momento desta curva fazer a inflexão e começar a subir? Sair do velho padrão cujo resultado já conhecemos, e que não nos atende mais. Como podemos esperar um resultado diferente se não mudamos nada no processo? 

Penso que a crise que pode nos fazer a todos mudar a direção da curva e ser o ponto de retorno chama-se CORONAVIRUS. Um vírus com capacidade de paralisar todo um planeta, dando-nos a oportunidade para refletir onde queremos chegar como sociedade. Um vírus que toca os CORAÇÕES, e que nos COROA com AÇÕES que brotam do bem e da positividade, devolvendo ao amor ao próximo, ao respeito às diferenças, à solidariedade, à colaboração, ao desprendimento, ao altruísmo, ..., o legítimo lugar na escala de valores verdadeiramente humanos.

Toda e qualquer iniciativa neste sentido merece destaque, aqui vão apenas alguns exemplos dentre outros tantos:

Confecção de máscaras para distribuição gratuita em todo o planeta;

Cooperação entre os cientistas do mundo todo na pesquisa da cura;

Apoio com alimentação aos caminhoneiros que continuam abastecendo nossos supermercados;

Abaixo assinados para suspensão de conflitos políticos;

Moradores se organizando para limpeza de ruas nas favelas e comunidades;

Moradores se juntando para criação de estratégias para controle do contágio nas periferias e favelas;

Arrecadações diversas para dar suporte e sustento a trabalhadores desempregados;

Empresas mantendo os empregos, algumas mantendo seus empregados trabalhando em casa;

Doações para aquisição de respiradores;

Incentivos para pesquisa de vacinas e remédios;

Medidas de apoio a quem tem as finanças prejudicadas;

Iniciativas para conectar pessoas e famílias desamparadas;

Distribuição de alimentos, doação de produtos de higiene pessoal e álcool em gel;

Atendimento psicológico gratuito para ajudar no controle emocional;

Redes solidárias de apoio a comunidades vulneráveis à infecção;

Quartos de hotéis sendo disponibilizados para sem-teto;

Pessoas comprando antecipadamente pipocas, congelados, etc, para garantir uma fonte de renda a estes profissionais

Enfim, a lista é longa e segue por aí afora........

CRESCEMOS! Não há dúvida. AMADURECEMOS? Saberemos daqui a algum tempo quando olharmos retrospectivamente a trajetória. Teremos mudado de verdade ou veremos tudo voltar ao antigo padrão? As ações terão sido expressões autênticas de uma compreensão maior de que todos nós somos parte desta sociedade, desta humanidade, e como tal, responsáveis pela continuidade e amadurecimento da mesma? Teremos de fato evoluído no real sentido do que é ser (verbo) humano?

Torço para que sim! 

O universo inteiro se encontra em evolução.

Ele se expande, estrelas explodem,

Mundos surgem, mundos morrem.

Nada fica parado, tudo é fluir e transformar.

Também eu sou uma parte desse desenvolvimento.

Eu não quero me abster dessa expansão,

Do amadurecer e do crescer.

Eu quero me tornar sábio no coração da vida.

Ulrich Schaffer in “Crescer, Amadurecer - Poemas meditativos”

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