O ABISMO

A tristeza é um quarto, parece um abismo fora, mas na verdade a tristeza é um espaço que vive dentro da gente.
Feito para acessar um silêncio bem profundo.
Cada um tem esse espaço de uma cor, o meu é branco e na entrada tem um espelho.
Fica em cima de uma montanha, tem uma grande janela, que tem uma vista para um mar índigo em dia nublado, venta muito, é frio, tem só uma cadeira, que fica virada para essa vista.
Não é feio, mas é silencioso, lá o tempo passa mais devagar.
De tempos em tempos eu tento decorar esse espaço, com a ilusão de que o dia que eu voltar para ele, vou ter algo mais para me distrair, por vezes eu quero transformá-lo em um quarto de linda vista onde vou acordar com alguém que vou estar o resto da vida, por outra tento fazer dele um bonita sala de trabalho.
Mas o que eu descobri depois de tantos anos tentando transformar esse espaço é que ele não muda, quando menos se espera um vento muito forte entra pela janela e carrega tudo.
Mal chego nele, quero sair.
Já fugi muito dele.
Mas tem um dia que a gente tem que fazer diferente.
A gente tem que aprender a contemplar essa paisagem, agasalhar-se e esperar o momento em que o sol vai entrar pela janela.
Talvez sejam dias, talvez horas.
Suportar o silêncio que vai calar no peito, ouvir o que a voz que vive dentro da gente quer contar.
No espaço da tristeza não tem que ter paixão, trabalho, filhos, o lugar deles é em outro lugar. Se gente tenta colocar outra coisa no espaço da tristeza, ela vira amargura.
No espaço da tristeza só a gente deve entrar.
No silêncio da tristeza nasce também a beleza do tempo, onde os ciclos das coisas acontecem no momento certo, nem antes, nem depois, mas no tempo.
Descobri que a tristeza e o tempo são próximos, que se você aprender a reconhecer um, certamente terá a ajuda do outro.
Mas você deve estar atento, para não se demorar muito, tem tempo certo de ficar lá dentro.
Tempo suficiente para perceber que só alegria não basta, que as vezes a gente precisa da tristeza, para na saída do espaço, olhar para o espelho e ver que saiu diferente.