João recebeu um diagnóstico de superdotação há pouco mais de dois meses.
E superdotação, para quem ainda vive na fantasia de John Nash e Einstein, talvez não consiga compreender que ela é também uma neurodivergência — e neurodivergência é, por princípio, uma forma diferente de ver, sentir e atuar no mundo.
Aqui eu venho falar do caminho que me levou a descobrir isso.
João sempre foi diferente, teve algo mais ou algo menos em lugares estranhos.
João sempre teve os olhos perdidos no horizonte, um jeito de estar sozinho dentro dele, uma certa tristeza inexplicável, uma solidão que eu nunca entendi.
E eu machuquei muito meu filho. Essa mania de estandardizarmos o que é normal ou aceitável quanto ao comportamento me fez ter uma raiva, uma frustração, um desdém enorme por ele — não o tempo todo, mas por muitas vezes.
Ele ouviu de mim inúmeras vezes que era perdido, preguiçoso, mas eu acho que o pior não foi o que eu falei. O pior mesmo era meu olhar para ele: um olhar de frustração, de desilusão, de desapontamento.
Foram muitas buscas por terapia para consertar esse brinquedo quebrado feito para atender aos meus desejos — porque é assim que vemos os filhos — para que ele pudesse me colocar no lugar de quem acerta.
Matar a individualidade e a peculiaridade do meu filho para me sentir satisfeita foi minha busca por muito tempo.
E agora eu vou falar da grandiosidade do João. Escrevo chorando, porque a magnitude dele se coloca em proporção à minha pequenez.
Mesmo tendo sobre ele o olhar da incapacidade, da inferioridade, ele se levantou todos os dias e fez o que eu pedi.
Colocou sua mochila, foi para a escola, onde foi duro se adequar; ali sentou por inúmeras horas para estar diante de algo que nunca aprendeu.
Ele se levantou todos os dias, fez o que eu mandei, tomou para si a culpa e pegou para ela a roupa do erro e da incapacidade — e, em silêncio, continuou.
Aceitou todos os meus atos de desdém e agressividade e, ainda assim, vinha até mim e me amava.
Eu nunca vi que ele estava fazendo o seu melhor, mas ele, João, sempre viu que eu fazia o meu melhor.
E fez tudo isso solitariamente.
Quando chegou o diagnóstico, eu compreendi quem era João — e ele compreendeu o que era ser João.
Recaiu sobre mim uma profunda admiração por essa pessoa que resistiu a um mundo de rechaço e, ainda assim, continuou.
Ele fez, levantou, estudou o que pôde, caminhou como deu e se alegrou pelas poucas vezes que recebeu de mim um gesto de concordância.
João é um rei.
Magnânimo, resiliente e, acima de tudo, cheio de um amor que eu talvez não possa ter nesta vida.
A “normose” e o pedido de toda uma sociedade para se ter uma criança dentro dos padrões quase me fizeram destruir o vínculo de amor que existia entre nós.
Quase matou a chance, nesta vida, de eu enxergar a beleza do meu filho.
Ainda não compreendo João na sua amplitude. Ainda estamos no caminho — mas agora, outro caminho. Agora eu quero descobrir e admirar João. Quero perceber cada nuance dessa pessoa que veio de presente para mim. Sem pensar num futuro, eu não quero ajudar João a ser normal.
Eu quero conhecer meu filho. João será, para mim, o meu humano de interesse — e nunca mais meu objeto de pesquisa.
Mas João, como é diferente, me compreende. Ele compreende minhas incompletudes, compreende que sou diferente dele, compreende que não fiz porque não sabia.
João é um neurodivergente com altas habilidades em muitas áreas, mas, acima de qualquer coisa, eu descobri que João é superdotado de um amor que nunca conheci em minha vida — o amor que aceita que o outro, que quer te mediocrizar, faz isso porque te teme.
Eu temi, muitas vezes, que meu filho não seria o esperado.
E hoje eu o admiro justamente por isso: porque ele nunca vai ser o que espero, porque eu jamais o compreenderei na sua totalidade.
João é muito mais que eu. Cabe a ele me conduzir no caminho que me mostrará que o mundo — por mais que se viva nele — é feito de mistérios e belezas que nenhum de nós viverá na sua totalidade.
Um conselho que tenho para quem vive a lida da maternidade, da paternidade: amor por filho é quando se tem paz. O que se faz por desespero é desejo de fazer deles uma imagem melhorada de nós, para que possamos egoicamente admirar — já que não somos capazes de fazer isso com nós mesmos.
Aceitar é o melhor dos mundos. Comece por isso, e o céu se abrirá para você.
Obrigada, João.