João Batista, o que existiu para outro existir.

João, para mim, não é moço do inverno, da fogueira, da introspecção. Valha-me que tenho noção de que o mundo é grande, e que, por hora e lugares, João é, no mesmo tempo, o moço do verão, da luz.
Gosto de João na dor, no símbolo; gosto dele na lenda; gosto dele no ensino de ser aquele que se prepara para ser o segundo.
Nascer e morrer para que o palco para outro seja construído — numa sociedade onde se busca constantemente o desejo neurótico de ser alguém como primeiro, em algum lugar, na vida de outrem ou talvez na vida de todos — João sempre me trouxe o lugar que só quem tem envergadura consegue carregar: aquele que existiu para que outro pudesse existir.

Quem suportaria ser João hoje?
Quem viria para dizer: “Por mais que eu faça, ainda alguém fará maior”?
João é, em mim, aquele pedaço de lucidez que diz que sou comum; é aquele que não me deixa ganhar todas; é aquele que me afoga em mim mesma para que eu saiba que nem tudo é sobre estar adiante; aquele que caminha sabendo que vai morrer, e que, por mais que se faça, a humanidade vai adiantar-se de mim.
João é meu pouco diante do tanto do outro.

João é uma parte perdida minha que não tem a aflição da perda, que não quer ser tudo, que não veio para brilhar, que não veio para ser além, que me ensina a não ser especial.
João é sossego, é miúdo, é dia a dia, é ficar atrás, é aguentar, na história, todos os adjetivos que causam horrores na sociedade contemporânea da grandiosidade.

Estamos em época de João — talvez tempo de minguar, de aceitar, de parar; tempo de batizar o outro com nosso silêncio, de ficar em si, de ser ordinário, ganhar medalha por ser regular, aproveitar o lugar do trivial, de se deixar ser passável.

João é meu contentamento em ser humano, é o que me deixa ter amigos, é o que me faz afável, doce, é o que enche tudo de afeto, que substitui conselho por abraço, é o que me faz alegrar quando vejo no outro a beleza que ele tem.

Tempo de João, tempo de contentamento na sociedade da felicidade.
Viva João, o Batista.

PS.: Gosto de João nessa pintura de Leonardo: nem menino, nem velho, nem criança que brinca, nem sábio que ensina. João jovem, João que não sabe, João que sai da sombra por metade. Para mim, ela mostra que, antes da sabedoria, vem o aprender com a vida.

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